Emissora da família Collor é substituída pela TV Asa Branca em meio a uma longa batalha judicial motivada por condenações criminais e recuperação judicial, marcando uma virada histórica na televisão alagoana.
Por Jardel Cassimiro, para a Revista Correio 101
MACEIÓ, ALAGOAS — Um capítulo de quase meio século da história da televisão alagoana encerrou-se de forma abrupta na tarde deste sábado, 27 de setembro. Às 14h44, após a exibição da reprise da novela "Terra Nostra", a TV Gazeta de Alagoas, controlada pela família do ex-presidente Fernando Collor de Mello, cessou a retransmissão da programação da Rede Globo. O sinal que por 49 anos foi a janela dos alagoanos para a principal emissora do país deu lugar a uma grade de programação local, com reprises de atrações como o "Isso é Alagoas", exibido em looping e que evidenciou a magnitude da transição.
O fim da parceria, que vinha sendo disputado nos tribunais há quase um ano, foi selado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que permitiu à Globo não renovar o contrato de afiliação. Imediatamente, a TV Asa Branca, consolidada afiliada da Globo em Caruaru, Pernambuco, assumiu a posição e passou a ser o novo rosto da emissora carioca no estado, estreando sua transmissão com o filme "Onze Homens e Um Segredo" na "Sessão de Sábado".
Para os telespectadores, o momento foi de notória confusão. Enquanto a TV Gazeta ainda anunciava em seus intervalos a exibição do "Caldeirão com Mion", era a TV Asa Branca que, de fato, levava o programa ao ar para os alagoanos que sintonizavam o novo canal, deixando clara a ruptura definitiva.
Os Bastidores de um Divórcio Conturbado
A decisão de encerrar uma das mais longevas afiliações da rede não foi súbita. Desde o final de 2023, a Globo buscava legalmente o direito de romper o vínculo com a TV Gazeta. A argumentação da emissora carioca se baseou em dois pilares críticos: a delicada situação financeira da Organização Arnon de Mello (OAM), que controla a TV Gazeta e está em recuperação judicial desde 2019, e, de forma mais contundente, as implicações éticas e legais decorrentes da condenação de seu proprietário, Fernando Collor.
A condenação do ex-presidente por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, com alegações de que a estrutura da emissora teria sido utilizada em práticas ilícitas, foi o ponto nevrálgico da questão. A Globo, amparada por rigorosas políticas de compliance e integridade, sustentou que a manutenção da parceria com uma empresa cujo dirigente foi condenado por tais crimes feria seus princípios e comprometia a própria concessão pública.
A TV Gazeta, por sua vez, lutou arduamente pela manutenção do contrato, obtendo liminares na justiça estadual que forçavam a prorrogação compulsória da afiliação. A defesa da emissora alagoana argumentava que a perda da parceria com a Globo representaria o colapso financeiro do grupo, que dependia quase que integralmente do faturamento gerado pela retransmissão. Contudo, a palavra final do STF, em decisão do ministro Luís Roberto Barroso, reverteu as sentenças anteriores e deu à Globo a liberdade de seguir um novo caminho em Alagoas.
A Nova Era: A Chegada da TV Asa Branca
A sucessora não é uma novata no universo Globo. A TV Asa Branca é uma afiliada de longa data e com operações bem-sucedidas no interior de Pernambuco. Sua chegada a Alagoas representa uma expansão estratégica e a aposta da Globo em um parceiro alinhado aos seus padrões de governança.
A transição, no entanto, apresenta desafios técnicos. Inicialmente, o sinal da nova afiliada está disponível em um número limitado de cidades, incluindo a capital Maceió, Arapiraca e Delmiro Gouveia. A expectativa é que a cobertura seja gradualmente expandida para todo o estado. Os telejornais locais, marca registrada de qualquer afiliada, também passarão por uma adaptação, com a promessa de estreia de novas produções locais a partir de 1º de outubro para substituir os antigos "AL1" e "AL2".
A mudança encerra a influência dominante da família Collor na principal plataforma de comunicação televisiva do estado, um poder que perdurou por quase cinco décadas. Para os telespectadores, marca o início de uma nova relação com a programação nacional da Globo e com o jornalismo local que a acompanha. Para o mercado de comunicação de Alagoas, é um realinhamento sísmico de forças, cujas consequências e desdobramentos serão observados de perto nos próximos meses. O sinal saiu do ar, mas a história está longe de terminar.