Com mais de 75 mil seguidores, perfil "UFC Ceasa RJ" transforma a maior central de abastecimento do Rio em uma arena de combates, levantando debate sobre violência e as condições de trabalho no local.
Por Jardel Cassimiro, para a Revista Correio 101
RIO DE JANEIRO, RJ – A primeira regra do Clube da Luta é: você não fala sobre o Clube da Luta. No entanto, em um dos maiores centros de trabalho do Rio de Janeiro, a regra parece ter sido invertida. Em plena era digital, não só se fala, como se filma, se posta e se consome. Uma página no Instagram, batizada de "UFC Ceasa RJ", está transformando a rotina da maior central de abastecimento do estado em um espetáculo de violência real, acumulando dezenas de milhares de seguidores e gerando um debate sobre os limites da exposição e a realidade social por trás das imagens.
Localizada em Irajá, na Zona Norte da capital fluminense, a Ceasa é o coração pulsante que abastece a mesa de milhões de cariocas. É um universo de trabalho árduo, que começa antes do sol nascer, movido pela força de carregadores, comerciantes e motoristas. Mas, por trás das pilhas de caixas de frutas, legumes e verduras, uma outra realidade tem vindo à tona. A página, que ironicamente se apropria da sigla da mais famosa liga de artes marciais mistas do mundo, o Ultimate Fighting Championship, já contava com 191 publicações e mais de 75 mil seguidores até a noite da última quinta-feira, dia 9 de outubro.
O conteúdo é cru e direto: dezenas de vídeos de brigas corporais entre trabalhadores. Os confrontos eclodem nos mais variados cenários do mercado: em meio a corredores de mercadorias, entre os robustos carrinhos de carga, no amplo estacionamento, na área da peixaria ou dentro de lanchonetes. A maioria dos vídeos mostra duelos entre homens, mas a violência não exclui as mulheres, que também aparecem em alguns dos confrontos.
A semelhança com o enredo do filme "Clube da Luta", o clássico de 1999 dirigido por David Fincher, é inevitável e perturbadora. Assim como na ficção, os combates na Ceasa ocorrem em áreas delimitadas, cercados por uma plateia de colegas de trabalho que, em vez de apartar, assistem, filmam, torcem e, segundo relatos, até mesmo apostam nos resultados.
Paradoxalmente, é essa mesma audiência que, por vezes, estabelece as regras não escritas da "arena". Em alguns vídeos, é possível ver o público intervindo para separar os brigões quando um deles parece estar em vantagem clara, evitando assim ferimentos mais graves. Em outras ocasiões, a segurança patrimonial da própria Ceasa é acionada e atua para conter os ânimos e colocar um ponto final nos duelos.
A Reação Oficial
Confrontada com a repercussão do caso, a administração das Centrais de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro (Ceasa/RJ) emitiu uma nota oficial ao portal g1. No comunicado, a entidade afirma que "repudia qualquer forma de violência e reitera que não compactua com esse tipo de comportamento dentro de seus espaços".
A declaração, no entanto, contrasta com a proliferação de conteúdo na página, que sugere que os incidentes são recorrentes e, de certa forma, normalizados por uma parcela dos frequentadores. A existência do "UFC Ceasa RJ" não apenas expõe a violência, mas levanta questões mais profundas sobre o ambiente de trabalho no local: seria essa uma válvula de escape brutal para o estresse de uma rotina extenuante? Ou um sintoma de uma cultura onde conflitos são resolvidos pela força física?
Enquanto a página continua a ganhar seguidores, a espetacularização da violência no coração do abastecimento do Rio de Janeiro serve como um espelho sombrio, refletindo as complexas dinâmicas sociais que podem florescer à margem da sociedade, mesmo à vista de todos.